Artigo: Na carona da reforma trabalhista

Por Ana Lúcia Sacani Casarotto*

17/08/2016 - Na agenda do atual governo provisório destaca-se como prioridade levar a termo várias reformas e,dentre elas, a reforma trabalhista. Há a sugestão de que a reforma trabalhista abarque a liberdade para negociações coletivas no Brasil como um dos métodos mais eficazes para alavancar o crescimento econômico e o nível de empregabilidade. Entretanto, pela simples leitura do texto constitucional percebe-se a falácia em se respaldar a solução nesse critério.

Ao revés das propostas, nosso sistema democrático e nossa ordem política constitucional são fundados nos seguintes princípios: dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e livre iniciativa (artigo 1º, incisos III e IV).

As metas essenciais constam logo na norma seguinte, artigo 3º, em seus incisos I até IV, os quais indicam que a sociedade deve ser livre, justa e solidária, com garantias para o desenvolvimento nacional e visando erradicar a pobreza e a marginalização, reduzindo desigualdades sociais e regionais com a promoção do bem de todos, sem preconceitos. Portanto, necessário se faz garantir o desenvolvimento e a melhoria das condições de vida.

Cabe então questionar: qual o objetivo da nação brasileira? Acaso a redução de direitos sociais será mesmo a medida ideal para assegurar o desenvolvimento da indústria e a retomada do crescimento econômico?

A propalada e necessária reforma não se insere exclusivamente no campo da normativa trabalhista como tanto se vem propagando.

A CLT é um arcabouço de regras para a garantia da dignidade humana e da enorme importância do trabalho e do seu valor social para a sociedade. A reflexão é necessária, porquanto as experiências internacionais foram desastrosas.

Como exemplo, basta analisar a Espanha, onde a flexibilização realizada não alcançou a promoção de melhores condições de vida da população. Na Itália e França a situação não é diversa, e já se atenta para uma análise holística do elevado desemprego e precarização das relações de trabalho.

A indústria, os meios de produção e demais setores devem ser inseridos no contexto da análise e das proposições de alteração legislativa. Não há crescimento econômico sem incremento da produtividade e sem que os atuais métodos de produção industrial/rural sejam alvo de revisão, com redução de tributos, aumento de incentivos, probidade administrativa e governamental para que o bem de todos seja a busca permanente da nossa sociedade e não para que estejamos entregues às intempéries do clima negocial e das reformas pontuais.

Todo o sistema governamental, econômico, industrial, comercial e sociológico, além do sistema jurídico nacional, é que estão na berlinda.

Atrelar a responsabilidade aos trabalhadores e à expectativa de redução de direitos consagrados é fugir da realidade do nosso país em desenvolvimento, cuja pobreza ainda é massiva em nossa nação.

Sendo assim, implementar, como saída, um sistema negocial amplo e irrestrito vislumbra-se temerário. Verdadeiras negociações, na realidade, são frutos de anos de acompanhamento das necessidades dos empregados versus as possibilidades dos empregadores, porém em sintonia com a inovação tecnológica e industrial e conforme a demanda. Devendo, todos esses aspetos, serem alicerçados no valor social e na dignidade do pleno emprego.Reduzir direitos por reduzir não gerará o fomento econômico esperado. A visão míope proposta não resultará em benefícios, tal como as situações internacionais comparadas já indicam.

Os sindicatos brasileiros sofrem de ausência de representação e legitimação para as negociações, pois estão sujeitos ao sistema falido do binômio unicidade sindical e imposto sindical; unicidade que delimita e permite a existência de somente uma entidade sindical restrita à atuação na mesma base territorial vinculada à categoria profissional do empregador, tanto geograficamente quanto profissionalmente. Inexistindo a concorrência naquela base territorial constata-se que o sistema possui mais falhas do que vantagens.

Isso significa que no Brasil temos a ausência de liberdade sindical e pluralismo na criação de sindicatos verdadeiramente imbuídos da missão de defesa dos direitos dos seus associados. Carecemos de entidades que visam construir novos caminhos e alternativas tão necessários nos tempos atuais.

O valor social do trabalho, caro princípio constitucional e pedra fundamental da República Brasileira, merece ser elevado e priorizado e não entregue ao livre arbítrio das associações formadas pelas regras consolidadas e, por vezes, geradas e incubadas nas próprias empresas para atender aos seus próprios interesses.

A convenção 87 da OIT, que trata do pluralismo sindical, deveria estar encabeçando as reformas governamentais, se estas fossem realmente firmadas nas premissas constitucionais aqui comentadas. Aliás, esta é a Recomendação advinda do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, amplamente apontada em diversos instrumentos normativos de proteção de direitos humanos. A orientação do artigo 8º, do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, traça aos Estados o comprometimento em garantir aos cidadãos o direito de filiação ao sindicato que seja de sua própria escolha, com o objetivo de promover e de proteger seus interesses econômicos e sociais.

Nesta perspectiva, confirma-se a necessidade de mudança. Contudo, não para trocar o legislado pelo negociado. Impõe-se, e não é de hoje, que nosso país adote plena liberdade sindical e conceda voz aos trabalhadores e aos seus legítimos representantes. Daí, então, as tratativas negociais trarão verdadeiras garantias de direitos em cotejo com as hodiernas demandas e em prol da dignidade da pessoa humana e do almejado desenvolvimento econômico e pessoal do trabalhador.

ANA LÚCIA SACANI CASAROTTO é Procuradora do Trabalho em Campinas-SP.

Artigo originalmente publicado pelo Jornal A Gazeta no dia 17/08/2016 

Imprimir