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ARTIGO | O federalismo pode salvar a saúde e o meio ambiente?

Por Bruno Choairy Cunha de Lima e Leomar Daroncho, procuradores do MPT

Vivemos num sistema político-administrativo federalista, em que o poder político é compartilhado por vários entes. Ao lado da União, Estados e Municípios têm amplas possibilidades de atuação administrativa e legislativa. Essa particularidade constitucional, muito evidente no que se refere à preservação do meio ambiente, restou explicitada na Lei Complementar nº 140/2011 que estabelece a cooperação entre União, estados, municípios e Distrito Federal no que tange ao licenciamento e à fiscalização das atividades potencialmente poluidoras ou utilizadoras de recursos naturais.

Quando se fala em meio ambiente e em saúde, a opção pelo sistema federativo se torna particularmente interessante. Isso porque, na forma do art. 24, VI e XII, da Constituição Federal, compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição e defesa da saúde, cabendo aos Municípios ainda, conforme art. 30, I e II, da CF, legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislação federal e a estadual no que couber.

Nesse sentido, conforme Tema de Repercussão Geral 145, e decisão proferida pelo STF (RE 586224), “O Município é competente para legislar sobre meio ambiente com União e Estado, no limite de seu interesse local e desde que tal regramento seja e harmônico com a disciplina estabelecida pelos demais entes federados (art. 24, VI c/c 30, I e II da CF)”.

No contexto da pandemia essa competência legislativa partilhada por todos os entes da federação ficou evidente, com vários Estados e Municípios adotando providências administrativas e normativas mais restritivas, protegendo os direitos humanos, do que a União, o que levou a questionamentos. Prevaleceu, contudo, a posição no STF (ADPF 672), no sentido de reconhecer e assegurar o exercício da competência concorrente dos Estados, Distrito Federal e Municípios, cada qual no exercício de suas atribuições e no âmbito de seus respectivos territórios, para a adoção ou manutenção de medidas restritivas legalmente permitidas durante a pandemia, visando a preservação da saúde pública.

Como se vê, nosso particular sistema político convive com a diversidade e pluralidade de visões e competências sobre diversas matérias, como a saúde e o meio ambiente, resultando em opções normativas mais ou menos restritivas de atividades potencialmente nocivas, desde que exercida em favor dos direitos humanos.

O diálogo entre os entes federativos, mediado pelos órgãos de cúpula do Judiciário, especialmente STF, pode fazer avançar justas reinvindicações relativas à proteção da saúde, da vida humana e meio ambiente.

O caso do amianto é particularmente significativo. Após a edição de uma norma federal permissiva de seu uso, diversos entes da federação passaram a restringir e proibir a exploração de qualquer espécie de amianto, resultando em regulamentações potencialmente contraditórias sobre o tema. Ao final, além de reconhecer a legitimidade de opções locais mais restritivas e mais protetivas da saúde, a própria opção normativa da União, muito permissiva à exploração do amianto, acabou sendo reconhecida como contrária à saúde e à vida humana.

Isso tudo torna legítima a convicção de que a edição de regulamentação mais protetiva, por parte de Estados e Municípios, pode inclusive acabar induzindo à generalização das opções locais, mais protetivas, para todo o País, tal como ocorreu no amianto.

No caso dos agrotóxicos, o STF está prestes a retomar o julgamento acerca da validade de lei editada pelo Estado do Ceará que proibiu a pulverização aérea de produtos reconhecidamente prejudicais à saúde e ao meio ambiente – o processo contém farta comprovação de danos agudos e crônicos à saúde da população afetada, inclusive de crianças.

No voto já computado, a relatora, ministra Cármen Lúcia, transcreve precedentes do STF que referem a existência de um “condomínio legislativo” entre a União e os Estados Membros, dirigidos ao princípio de proteção ao meio ambiente, relacionado que está ao direito fundamental à saúde. Consta no voto que tal entendimento exclui, portanto, arranjos normativos com ele incompatíveis e cria uma espécie de legitimação para intervenções político-administrativas que democraticamente traduzem inferências autorizadas pelo preceito constitucional.

No mérito, o reconhecimento da compatibilidade da lei cearense com Constituição mostra-se coerente com o destaque que o STF vem dando à Agenda 2030 da ONU. Trata-se de compromisso, conforma estampa a página do STF, “assumido pelos países com a agenda envolve a adoção de medidas ousadas, abrangentes e essenciais para promover o Estado de Direito, os direitos humanos e a responsividade das instituições políticas”.

O CNJ encaminha-se no mesmo sentido, instigando o Poder Judiciário brasileiro a priorizar os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável: “Integrar a Agenda 2030 no Poder Judiciário é a Meta Nacional 9 do Poder Judiciário Brasileiro”. No caso, estão destacadamente envolvidos no julgamento do STF o Objetivo nº 8 – Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todas e todos; e o Objetivo nº 16 – Paz, Justiça e Instituições Eficazes no Brasil.

Pelo desenho federativo de nosso sistema político, parece não haver dúvida acerca da legitimidade da opção do Estado em adotar um regramento mais restritivo, dada a competência concorrente. Essa legítima opção, entrando em contato com o turbilhão de interesses presente na sociedade brasileira, está conduzindo a discussões e debates em torno da utilização de agrotóxicos, e como a sociedade brasileira pode, pelo direito, conformar seu próprio modo de reprodução, em prol da saúde.

Afinal, tal como ocorreu com o amianto, pode ser que as opções locais venham a se apresentar não só como legítimas, mas como padrão a ser generalizado para todo País, para atingimento de um padrão de proteção ao meio ambiente e à saúde, valores constitucionais cuja observância não se restringe a determinados locais.

Por isso vale a pena perguntar: o STF permitirá que federalismo salve a saúde e o meio ambiente?

Artigo publicado originalmente em 17 de maio de 2023, no GGN

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