E os 10%?

Por Fabricio Gonçalves de Oliveira*

10/08/2015 - É muito comum em bares e restaurantes que o consumidor, no momento de pagar a conta, se depare com uma cobrança adicional de (geralmente) 10% sobre o que foi consumido. Tal valor, que é, na verdade, de pagamento facultativo, trata-se da gorjeta, uma espécie de retribuição do freguês pela qualidade do atendimento prestado. 

Conforme o Código de Defesa do Consumidor (CDC), não apenas fica a critério de cada um quitar tal quantia ou não, como, obviamente, é obrigatório que o percentual cobrado esteja visível na conta apresentada ao cliente.

Mas, afinal, o que é, de fato, essa tal gorjeta e para quem ela é devida?

A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) estabelece, em seu artigo 457, que compõem a remuneração do empregado tanto o salário quanto as gorjetas. Ou seja, a gorjeta, apesar de não ser concedida pelo empregador (e sim pelo consumidor), é parte da remuneração.

Logo, quando for paga, é devida ao empregado, jamais ao patrão! Cabe ao empregador somente repassar ao trabalhador ou aos trabalhadores o que foi recolhido, conforme a regra adotada pelo estabelecimento ou definida em norma coletiva, de repasse individual ou em sistema de rateio entre os funcionários.

Infelizmente há casos em que apenas parte da gorjeta é repassada - a outra fica retida pelo bar/restaurante. Essa prática, no entanto, é completamente ilegal e configura retenção indevida da remuneração do trabalhador. E, convenhamos, isso também acaba enganando o próprio consumidor, que acredita que o valor pago será revertido para o empregado que lhe atendeu, e não para o empregador.

Essa ausência de repasse gera também outros efeitos negativos. Como a gorjeta deve constar no contracheque do funcionário e sobre ela deve incidir FGTS e contribuição previdenciária, o empregado, ao não receber o valor, é prejudicado duas vezes, inclusive na sua aposentadoria.

É importante, contudo, fazer uma ressalva: apesar da gorjeta sofrer tal incidência tributária, ela não é levada em consideração no cálculo de outras parcelas, como o aviso-prévio, o adicional noturno, horas extras e o repouso semanal remunerado, de acordo com o estabelecido na Súmula 354 do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

Além disso, o empregado jamais pode ser remunerado apenas com base em gorjetas. O salário deve sempre estar de acordo com os limites previstos na lei ou em norma coletiva, observando-se o pagamento do salário mínimo ou do piso da categoria, além dos demais adicionais legais, como o noturno e de horas extras, quando esses forem devidos.

Se não fosse assim, o empregador não cumpriria com uma das principais obrigações do contrato de trabalho: o pagamento do salário pelo serviço prestado.

Importante registrar também que a gorjeta não pode ser considerada para fins de observação do limite do salário mínimo. Ela é um plus, não substitui o salário, ainda que este seja apenas o mínimo ou piso salarial da categoria.

Enfim, respondendo à pergunta inicial: os 10% só são devidos quando o consumidor, e apenas ele, assim o desejar; mas, uma vez pagos, devem ir direto, e obrigatoriamente, para o bolso do trabalhador, como forma de incentivo e de retribuição ao atendimento realizado.

*FABRÍCIO GONÇALVES DE OLIVEIRA é Procurador do Trabalho em Mato Grosso

Texto originalmente públicado no Jornal A Gazeta do dia 10 de agosto de 2015

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