Artigo | O emplasto trabalhista

Por Rodrigo Assis Mesquita*

Um medicamento sublime que salvaria a humanidade, livrando-a da melancolia. Um emplasto anti-hipocondríaco que curaria os brasileiros e elevaria a nação. Esse era o emplasto idealizado por Brás Cubas, o narrador-defunto de Machado de Assis. O Emplasto Brás Cubas, nome que adornaria todas as caixinhas do remédio, seria a genial solução para os problemas do país.

Em anúncio feito à imprensa, a "minirreforma" trabalhista proposta pela Presidência da República objetiva a criação de até 5 milhões de empregos por meio de uma "modernização" da legislação. O projeto de lei altera a CLT para que o resultado da negociação coletiva entre os sindicatos de trabalhadores e os empregadores tenha força de lei quando dispuser, entre outras coisas, sobre o "cumprimento da jornada de trabalho, limitada a duzentas e vinte horas mensais"; "intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos"; e "registro de jornada de trabalho".

Percebe-se que a intenção das modificações é extinguir os limites diários e semanais para a jornada de trabalho e permitir que a empresa extraia de cada empregado o máximo de horas de produção que o corpo e a mente suportarem. Desde que respeitado o novo limite mensal de 220 horas (que considera um mês de cinco semanas em vez de quatro), a empresa pode exigir, por exemplo, que o empregado trabalhe por 24 horas seguidas durante nove dias, sem pagar horas extraordinárias, adicional noturno e descanso semanal remunerado.

Como contrapartida à diminuição de direitos, o projeto de lei prevê que se houver diminuição de direitos relativos a salário e jornada, deve constar da convenção ou do acordo coletivo de trabalho qual vantagem compensatória será concedida. Não é difícil imaginar que a vantagem defendida pelas empresas será a manutenção do emprego, embora oferecer como vantagem o próprio emprego se assemelhe mais a uma chantagem. De qualquer modo, qual será a qualidade desses empregos?

Na contramão da história mundial e especialmente dos países mais desenvolvidos, a proposta procura restabelecer um sistema de longas jornadas de trabalho que não existe mais desde a primeira Revolução Industrial no século XIX. Conforme estudo publicado pela Organização Internacional do Trabalho em 2007, intitulado "Duração do trabalho em todo o mundo", as extenuantes jornadas que eram comuns na Inglaterra dos anos de 1830 foram reduzidas global e progressivamente até o patamar de 48 horas, chegando a 40, ao passo que a medicina considera seguro para a saúde menos de 50 horas semanais.

Como o Emplasto Brás Cubas, a "minirreforma" mira curar uma doença por meio de medidas que, no fim, levarão ao agravamento do problema. Sequer faz sentido lógico imaginar que a autorização de longas jornadas por cada empregado levará a contratações. Pelo contrário, o barateamento da hora de trabalho e o aumento expressivo das jornadas levará a demissões, pois um trabalho que hoje demande, por exemplo, 100 empregados, poderá ser realizado por 70 ou 60 a custos equivalentes ou menores.

Jornadas de 12 a 14 horas por dia com horas extras habituais. Salários baixos. Graves danos à saúde e acidentes de trabalho. Esse era o cenário na Inglaterra no advento da Revolução Industrial no século XIX. Quando as primeiras reformas para a melhoria das condições de trabalho começaram na década de 1830, houve muita oposição. O economista Nassau Senior argumentou na época que o aumento dos custos decorrentes da diminuição das horas de trabalho arruinaria a indústria e, por consequência, a nação. Outros defendiam a não intervenção estatal na economia. A história seguiu e prevaleceu a limitação de jornadas com a necessária melhoria dos salários. O país cresceu e a desigualdade diminuiu. O Reino Unido, mesmo com a crise econômica de 2008, não destruiu direitos e segue firme como a quinta maior economia do mundo.

A limitação das horas de trabalho existe para garantir a segurança e a saúde e, também, para assegurar ao trabalhador o direito de viver como um ser humano pleno com tempo para o lazer, a família e a participação política. Além disso, jornadas menores aumentam a produtividade, diminuem o estresse e podem gerar mais empregos.

Um remédio que não ataca a doença e pode levar o paciente à morte. É o que apresenta o projeto de lei. Brás Cubas se preocupou tanto em patentear e divulgar o emplasto que pegou uma pneumonia e morreu antes que pudesse desenvolvê-lo - até porque era impossível fabricar um medicamento com propriedades tão etéreas. No fim, o autor-defunto confessou: "Assim, a minha ideia trazia duas faces, como as medalhas, uma virada para o público, outra para mim. De um lado, filantropia e lucro; de outro lado, sede de nomeada. Digamos: — amor da glória."

*RODRIGO ASSIS MESQUITA é Procurador do Trabalho. 

Artigo originalmente publicado no Jornal A Gazeta do dia 23/01/2017: http://www.gazetadigital.com.br/conteudo/show/secao/60/og/1/materia/500989/t/o-emplastro-trabalhista

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