Frigorífico é condenado a pagar R$ 1,9 milhão por descumprir normas de saúde no trabalho

O frigorífico JBS foi condenado a pagar 1,9 milhão de reais por irregularidades no meio ambiente de trabalho da unidade de abate de bovinos no município de Barra do Garças, interior de Mato Grosso.

O montante inclui a condenação de 400 mil reais por dano moral coletivo, além de multa de 1,5 milhão aplicada pelo descumprimento de obrigações impostas em decisão liminar, deferida em outubro de 2016. Nela foi determinada a imediata adequação da unidade em relação aos cuidados com a saúde de seus empregados, sendo fixada a penalidade de 500 mil para cada um dos itens, em caso de descumprimento da ordem judicial.

A sentença, proferida pelo juiz Adriano da Silva em ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), estabelece ainda uma lista de melhorias que a empresa deverá fazer, em cumprimento às normas regulamentadoras (NRs) 4, 7 e 36, relacionadas à segurança e medicina do trabalho, em especial no setor de abate e processamento de carnes. A unidade de Barra do Garças emprega cerca de 1.600 trabalhadores.

Como primeira obrigação, a lista determina a inclusão, no Relatório Anual do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO), dos dados da evolução clínica e epidemiológica dos trabalhadores, contemplando as medidas a serem adotadas na comprovação do nexo causal entre as alterações detectadas nos exames e a atividade exercida.

Além disso, a empresa terá que utilizar, no PCMSO, instrumental clínico epidemiológico que oriente as medidas a serem implementadas no Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA) e em outros voltados a melhorias ergonômicas e de condições gerais de trabalho, utilizando-se de informações coletivas e individuais. Dentre elas, devem estar incluídas, no mínimo, o estudo causal em trabalhadores que procurem o serviço médico; a utilização de questionários, análise de séries históricas dos exames médicos e avaliações clínicas. O relatório anual deve também discriminar o número e duração de afastamentos do trabalho, estatísticas de queixas dos trabalhadores, de alterações encontradas em avaliações clínicas e exames, com a indicação dos setores e postos de trabalho respectivos.

A terceira obrigação estabelece que o frigorífico emita a Comunicação de Acidente do Trabalho (CAT) quando constatada a ocorrência ou o agravamento de doenças ocupacionais e, ainda, que mantenha um médico em tempo integral (carga horária controlada de 6 horas diárias), dedicado às atividades dos Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho.

Em caso de descumprimento, a sentença estabelece multa diária de 50 mil reais para cada obrigação, até o limite de 5 milhões de reais a cada um dos itens.

Dano Coletivo

Ao se defender, a empresa argumentou não haver comprovação de qualquer ato ilícito que ensejasse dano a ser reparado ou que qualquer prova dos lucros supostamente obtidos com a sua conduta, conforme afirmou o MPT ao propor a ação. Da mesma forma, reiterou não ter ocorrido qualquer prejuízo à coletividade e que as supostas irregularidades documentais eram incapazes de proporcionar aumento de receita e, tampouco, interferiam na saúde de seus empregados, já que que todas as medidas adequadas sempre tinham sido aplicadas.

Entretanto, as justificativas não convenceram o magistrado. Ao julgar o caso, ele avaliou que as providências apresentadas pelo frigorífico evidenciaram o intuito de “apenas cumprir rapidamente meras burocracias atinentes à medicina e segurança do trabalho para se preocupar com seu escopo de muito mais lucro a cada ano, sem se importar com à saúde e a integridade física de seus funcionários”.

Na ação consta que, após notificada, a empresa apresentou o PCMSO do período de 2014 a 2015 e outro de 2015/2016, sendo que o relatório anual desse último período não trazia qualquer dado sobre número e duração de afastamentos do trabalho, estatísticas de queixas dos trabalhadores e de alterações encontradas em exames e avaliações clínicas e exames,  em claro descumprimento das normas, em prejuízo às ações de promoção de saúde e em detrimento dos trabalhadores, reforçando o entendimento do magistrado de que “a empresa não estava cumprindo a NR-36 e, muito menos, estava disposta a cumprir por mera opção política organizacional da instituição”.

Conforme o juiz, a conduta da empresa revela a recusa em adotar uma cultura proativa de verificar se a doença de seu empregado estava relacionada com as atividades desenvolvidas, de gerenciar as condições de trabalho, de analisar a vinculação das doenças constatadas com o trabalho e de “assumir as rédeas de tais temas nas mãos para evitar e impedir os traumas, distúrbios osteomusculares e transtornos mentais, contribuindo com a redução dos gastos públicos do INSS com as concessões dos auxílios-doença”.

Ele destacou ainda que o ordenamento jurídico foi estruturado para proteger o ser humano, como razão de ser e existir de todas as normas jurídicas, “o que torna inadmissível o comportamento da empresa, com claro abuso de direito de direção de seu negócio”.

Isso porque, com uma postura avaliada como omissiva e negligente pelo magistrado, a empresa contribui para “que trabalhadores continuem adoecendo por conta de ruídos excessivo, umidade excessiva, ritmo de trabalho exagerado, dentre outros fatores de risco, reconhecidos pela doutrina e jurisprudência, sem médica do trabalho pelo prazo legal dentro da empresa e sem emitir a CAT”, ferindo também, conforme apontou a sentença, “o fundamento da República e da Ordem Econômica, consistente na dignidade da pessoa humana” e ao “meio ambiente laboral equilibrado”, estabelecidos na Constituição Federal. 

Ao decidir, o magistrado ressaltou o fato de a empresa, mesmo diante da decisão judicial, dada liminarmente,  “haver se mantido inerte e em inaceitável letargia diante de tema de grande relevância humana, econômica e até política, sobretudo, em tempos de discussão de ampliação do prazo de contribuição de aposentadoria por conta do déficit fiscal da previdência (...)”, uma vez confirmada, durante fiscalização, que mesmo em agosto de 2018 permanecia a irregularidade de não se manter médico do trabalho do serviço especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho, em tempo integral.

"O trabalhador não se despe de sua cidadania quando adentra no chão da fábrica, permanecendo fortes seus direitos laborais inespecíficos, inclusive no que concerne a sua honra”, enfatizou, apontando como base o artigo 5º da Constituição e, no mesmo sentido, também o artigo 7º ao proibir o retrocesso social e preconizar a melhora na condição social do trabalhador. Desta forma, “evidente o abuso no exercício de seu direito de propriedade, seja porque não observou seu dever lateral de cuidado e proteção para com seu trabalhador, decorrente do Princípio da Boa Fé Objetiva, seja por conta da força normativa do princípio da função social do contrato”, apontou, com base nos artigos 5° e artigo 170 da Constituição, “seja, enfim, porque o Código Civil não autorizaria nem mesmo o constrangimento de alguém, com risco de vida, para tratamento médico ou intervenção jurídica (...), quiçá para fins de obtenção de lucro”, frisou.

Para o julgador, o fato da empresa permanecer omissa, mesmo depois de fiscalizações e da decisão liminar, acentua o desrespeito ao dever de cuidado e proteção para com seus trabalhadores. “Pensar diferente seria chancelar a conduta imprópria da ré e desconsiderar a força normativa do artigo 7º e 12 do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais”, afirmou, citando ainda os deveres contidos no artigo 157 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Ambos estabelecem como obrigatórias medidas para que assegurem ao trabalhador a segurança e higiene no trabalho.

Conforme o magistrado, a importância do cumprimento dessas NRs, que têm o respaldo dos artigos 155 e 200 da CLT, ganha relevância ao se lembrar que elas existem para que o empregador possam cumprir a função social da propriedade, em cumprindo o dever constitucional, “não só como limite ao seu direito fundamental de propriedade (...) e como princípio da ordem econômica mas, inclusive, “para impedir que o trabalhador fosse “coisificado” como mais uma peça integrante da linha de produção que se joga quando estraga ou quebra, em total luta contra a inserção nas empresas da  “Teoria do Descarte do Ser Humano” pela busca do lucro a qualquer preço, permitindo, por consequência, que o homem médio continuasse laborando com saúde e fazendo a sua história e de sua família”.

Assim, avaliando presentes a conduta omissiva, a lesão, o nexo causal e a culpa no caso, requisitos exigidos para se caracterizar a responsabilidade civil, o juiz condenou a empresa a compensação pelo dano moral coletivo. Também manteve as obrigações de fazer e, considerando que essas mesmas determinações foram descumpridas, apesar da ordem fixada em liminar, decidiu aumentar o valor da multa em caso de novo descumprimento.

Segundo ele, o ocorrido evidencia que o valor da multa foi muito baixo diante “do poder econômico de mais de 21 bilhões da empresa, razão pela qual se faz necessário ampliar os seus limites”. Assim, no lugar dos 10 mil reais fixados anteriormente, estabeleceu multa de 50 mil reais para cada obrigação não observada, até o limite de 5 milhões de reais.

“Fechar os olhos para todo o exposto nesta sentença seria igual descaso do Poder Judiciário para com os trabalhadores, como levado a efeito pela ré, chancelando a conduta imprópria da empresa”, afirmou, por fim, ao aplicar a multa de 1,5 milhão, correspondente ao limite a cobrança de 500 mil reais por obrigação descumprida na decisão liminar.

PJe 0001350-22.2016.5.23.0026

Informações: Aline Cubas - Tribunal Regional do Trabalho 23ª Região (publicado em 5 de abril de 2019)

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