A busca pela dignidade do trabalho doméstico: um longo caminho

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Por Renan Bernardi Kalil*

03/06/2015 - O trabalho doméstico possui grande dimensão social no Brasil. Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho, somos o país que mais emprega trabalhadoras e trabalhadores domésticos: 7,2 milhões. Desse total, 6,7 milhões são mulheres e 500 mil são homens. A maioria das mulheres é negra.

Historicamente, o trabalho doméstico sempre foi considerado um serviço inferior no Brasil. Contribuiu para essa construção social a aproximação entre o trabalho doméstico e a forma pela qual esses trabalhadores eram tradicionalmente tratados na relação entre o senhor e seus escravos no período do Império, guardadas as devidas proporções.

Em 1943, com a criação da Consolidação das Leis Trabalhistas, esses trabalhadores também foram esquecidos. Há, inclusive, nessa que é a principal norma trabalhista brasileira, previsão expressa de que seus dispositivos não se aplicam aos empregados domésticos.

A primeira regulamentação significativa do tema ocorreu somente em 1972, com a edição da Lei n. 5.859. Contudo, o patamar de direitos estava muito abaixo dos reconhecidos aos demais trabalhadores. Aos empregados domésticos restou o direito à assinatura da Carteira de Trabalho e ao gozo de 20 dias de férias, sem o acréscimo de qualquer valor.

A Constituição Federal de 1988 ampliou o rol de direitos garantidos às trabalhadoras e aos trabalhadores domésticos. No entanto, dos 34 direitos previstos aos trabalhadores rurais e urbanos, apenas nove foram oferecidos aos domésticos: salário mínimo, irredutibilidade salarial, décimo terceiro salário, repouso semanal remunerado, férias de 30 dias com acréscimo de um terço, licença à gestante, licença paternidade, aviso prévio e aposentadoria.

Durante os anos 1990 e 2000, a Lei n. 5.859 ainda sofreu pequenas alterações para incluir mais alguns direitos à categoria, como o seguro desemprego. Entretanto, a mudança legislativa mais importante em relação ao trabalho doméstico ocorreu no início desta década, em 2 de abril de 2013.

A data refere-se à promulgação da Emenda Constitucional n. 72, que aumentou o número de direitos reconhecidos aos empregados domésticos. Alguns desses direitos tiveram aplicação imediata, já outros precisaram de regulamentação. Em relação ao primeiro grupo, é possível mencionar a garantia de salário mínimo para quem recebe remuneração variável, a jornada de oito horas diárias e 44 semanais, o pagamento das horas extras acrescido de, pelo menos, 50% das horas normais, e a redução de riscos inerentes ao trabalho.

Houve, ainda, o reconhecimento dos instrumentos coletivos de trabalho e a proibição às diferenças salariais e aos critérios de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil.

No tocante aos outros direitos, no início deste mês foi promulgada a Lei Complementar n. 150, que regulamentou a sua aplicação. Ela estabelece, entre outros pontos, que a prestação de serviço por mais de dois dias por semana em uma residência é suficiente para a caracterização da relação empregatícia. Prevê, ainda, que ninguém pode exercer o trabalho doméstico com menos de dezoito anos, já que a atividade se caracteriza como uma das piores formas de trabalho infantil.

Em relação à jornada de trabalho, ficou definida a obrigatoriedade do registro do ponto. A inclusão das trabalhadoras e dos trabalhadores domésticos no FGTS também passou a ser obrigatória.

Como é possível perceber, os recentes avanços legislativos são conquistas importantes para toda a sociedade brasileira, na medida em que reduzem consideravelmente as diferenças de direitos reconhecidos às trabalhadoras e aos trabalhadores domésticos em face dos demais.

Contudo, permanecem algumas desigualdades no tocante à forma de aplicação dos direitos, como é o caso da ausência de limitação de horas extras e da inexistência da multa dos 40% sobre o FGTS nos casos de dispensa sem justa causa ou de rescisão indireta (justa causa do empregador).

É importante frisar que essas desigualdades são injustificáveis, tendo em vista a relevância do serviço prestado. O trabalho doméstico, apesar de não produzir lucro de forma imediata para o empregador, permite que ele tenha maior tempo de lazer ou se dedique de forma mais intensa ao desenvolvimento de sua atividade profissional.

Além disso, o serviço desempenhado pelas trabalhadoras e pelos trabalhadores domésticos é essencial para a reprodução social, na medida em que se ocupam da alimentação, limpeza e higiene, dentre outros elementos essenciais à subsistência de membros de determinadas famílias.

De fato, o Brasil atingiu um patamar inédito de proteção aos trabalhadores domésticos. O principal objetivo, daqui em diante, é promover a plena efetivação desses direitos para garantir a dignidade dessas pessoas e afastar a condição de serviço de segunda categoria, historicamente construída e atribuída ao trabalho doméstico. Afinal, não existem razões éticas, jurídicas ou morais aceitáveis para que o trabalho doméstico seja visto de maneira distinta das demais formas de trabalho.

*RENAN BERNARDI KALIL é Procurador do Trabalho em Mato Grosso

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