Estudo identifica resíduos de agrotóxicos na água de comunidades quilombolas de Poconé

26/10/2021 - O Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso (MPT-MT) participou, na última sexta-feira, 22, de evento realizado no Centro Comunitário do Distrito de Nossa Senhora Aparecida do Chumbo, localizado na zona rural do município de Poconé (104 km de Cuiabá). Na oportunidade, a ONG Fase (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional) e o Núcleo de Estudos Ambientais e Saúde do Trabalhador (Neast), da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), apresentaram os resultados da pesquisa realizada para análise da presença de agrotóxicos na água consumida pelas famílias das comunidades Jejum e Chumbo.

Localizado no Pantanal mato-grossense, Poconé é o município com o maior número de comunidades quilombolas do estado. Em março deste ano, alguns moradoras foram atingidos por uma nuvem tóxica vinda de uma plantação de soja. Uma máquina que passava realizando a colheita levantou uma camada densa de poeira, o que provocou danos à saúde de adultos, crianças, idosos e até de um bebê de 10 meses. Eles apresentaram sintomas imediatos de intoxicação aguda, como dores de cabeça, vermelhidão nos olhos, coceira na pele, espirros e garganta irritada.

Há indícios de descumprimento do Decreto Estadual nº 1.651/2013, que, entre outras medidas, proíbe a aplicação terrestre mecanizada de agrotóxicos e afins em áreas situadas a uma distância mínima de 90 metros de povoações, cidades, vilas, bairros, mananciais e nascentes. O MPT investiga o caso. A ONG Fase, a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), as Associações das Comunidades Negras Rurais Jejum e Quilombo Ribeirão da Mutuca e a Campanha Nacional Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, com apoio da organização Terra de Direitos, também encaminharam denúncia ao Ministério Público Federal (MPF) e ao Ministério Público Estadual (MPE).

A partir desse episódio, foram coletadas amostras de água da chuva e de poços artesianos, nascentes e tanques de peixes para verificação, por parte de um laboratório especializado do Rio Grande do Sul, da presença de resíduos tóxicos. Além da divulgação aos representantes das comunidades, o resultado será disponibilizado para a Secretaria de Saúde e para o Ministério Público.

Resultado da pesquisa

Na comunidade Jejum, as amostras foram retiradas do rio, do tanque de piscicultura, do poço de uma casa, da escola e da chuva. Já no Chumbo, da água da captação, do poço de duas casas e da creche municipal.

A pesquisa indicou a presença de agrotóxicos como a atrazina, 2,4-D, picloram, fipronil, imidacloprido e clomazone. “Do total de oito agrotóxicos identificados — cinco herbicidas, dois inseticidas e um fungicida —, cinco estão banidos na União Europeia, Canadá e na Austrália porque foi comprovado nesses países que eles faziam mal para a saúde da população e para o meio ambiente, então eles foram descontinuados e deixaram de ser utilizados, só que no Brasil ainda são permitidos”, observa a engenheira agrônoma Franciléia Paula de Castro, mestre em Saúde Pública, educadora da Fase em Mato Grosso e representante da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.

A educadora falou, durante o encontro, sobre a importância de dividir os resultados com as comunidades e buscar coletivamente alternativas para o problema. “A ideia também não é chegar aqui, falar que a água está contaminada e dizer ‘se virem’, né? Nós temos esse compromisso também de construir essa vigilância popular de saúde junto às comunidades e pensar em ações conjuntas, inclusive com as várias organizações e instituições que estão aqui hoje e que podem se somar a esse trabalho."

Ela compartilhou a sua preocupação com a expansão das fronteiras agrícolas e a integração da pecuária com os plantios de soja na região do Pantanal. “Comunidades tradicionais quilombolas e indígenas que desenvolvem práticas agrícolas tradicionais de agricultura, de não uso de veneno, com suas próprias sementes, estão sendo aí impossibilitadas de avançar com as suas práticas também, os seus modos de vida, porque não é só o impacto na saúde, é um impacto na própria cultura, na própria forma de viver nessas comunidades, porque dificilmente alguém vai ficar numa região ou num território ou numa comunidade que está sendo bombardeada de veneno."

Na reunião, Franciléia Paula salientou que “a água é um bem comum"e "[que] é preocupante quando você tem, por exemplo, um tanque de piscicultura com oito tipos de agrotóxicos”. Além disso, enfatizou que o agrotóxico não desaparece no meio ambiente. “Ele está indo pra algum lugar, contaminando o solo, o lençol freático, indo para o poço, para o rio e todos os outros ambientes hídricos."

O coordenador regional de Defesa do Meio Ambiente de Trabalho do MPT-MT e coordenador do Fórum Mato-Grossense de Combate aos Impactos dos Agrotóxicas, Bruno Choairy, pontuou, em sua fala, que o MPT atua não só para garantir a adoção de normas de segurança do trabalho contra o risco químico. O órgão também pode auxiliar a pensar o tema em um debate mais amplo. De acordo com o procurador, a sociedade e o poder público precisam encontrar soluções satisfatórias que atendam aos interesses da população, de modo a promover um desenvolvimento mais sustentável como alternativa ao modelo econômico baseado em exportações de commodities, monocultura e forte dependência de agrotóxicos.

“A atrazina está proibida desde 2004 na União Europeia, há 17 anos, por comprovação de que causa prejuízos à saúde. Será que a gente é mais resistente que os europeus?”, criticou Choairy, acrescentando que é preciso equacionar os interesses envolvidos. “Apesar do direito ser um campo, uma área ambígua de regulação, com interesses econômicos muito fortes no Congresso que influenciam na aprovação de leis, sem que esses interesses falem pela sociedade, embora isso seja verdade, a gente tem a possibilidade de modular a conduta e proteger mais a saúde humana."

Segundo o procurador do MPT, todos os entes da federação podem legislar sobre a matéria e nada impede que haja consenso e debate, dentro de localidades específicas e mais diretamente afetadas pelos agrotóxicos, em busca de melhores saídas, como as que resultem em maior distância entre as propriedades que pulverizam agrotóxicos e a população em seu entorno, ou, ao menos, o cumprimento da legislação vigente.

“A gente tem uma legislação estadual, um decreto, que proíbe a aplicação terrestre de agrotóxicos com a distância menor 90 metros de formulações, cidades, vilas, bairros, mananciais de captação de água, moradia isolada, agrupamento de animais e nascentes. Então, por mais que a gente possa questionar que a distância não é tão grande, é um modelo que já existe e que pode trazer alguma limitação em relação à utilização do agrotóxico na saúde das pessoas."

A professora e doutora em Saúde Coletiva e pesquisadora do Neast/UFMT, Márcia Montanari Corrêa, resgatou os resultados do projeto “Avaliação da Contaminação Ocupacional, Ambiental e em Alimentos por Agrotóxicos na Bacia do Juruena”, desenvolvido entre 2014 e 2019 com a cooperação técnica com o MPT, para alertar que, em Mato Grosso, a contaminação já ocorre em diversos espaços.

Ela observou que as várias pesquisas desenvolvidas já encontraram agrotóxicos na urina e no sangue de trabalhadores, na água das chuvas e, ainda, no leite materno. “Por onde a gente anda aqui no Estado temos percebido o perfil de contaminação por agrotóxicos. Em todas as amostras coletadas e pesquisadas aparecem agrotóxicos. Isso é um grave problema aqui no Estado de Mato Grosso, e a gente precisa de fato continuar esse tipo de trabalho para continuar dizendo ‘olha, nós temos aqui uma situação que precisa ser olhada com atenção’ e eu acho que é esse o trabalho que nós, com essas pesquisas, desenvolvemos."


Outras pesquisas

No mês passado, uma assembleia foi promovida com os agricultores do Assentamento Roseli Nunes, no município de Mirassol D´Oeste. Na oportunidade, a população também recebeu o resultado da pesquisa sobre a presença de agrotóxicos realizada na região. O estudo também está sendo desenvolvido na cidade de Cáceres.

O assentamento Roseli Nunes é referência em produção agroecológica no estado, mas está cercado por plantações de soja e cana-de-açúcar, culturas que utilizam e pulverizam grandes quantidades de veneno.

Foram coletadas amostras das águas do Rio Bugres, de córregos e das águas de abastecimento de casas e da escola da comunidade. O resultado indicou a presença de sete ingredientes ativos: 2, 4-D, atrazina, clomazone, imidacloprido, picloram, fipronil e carbendazim.

Informações: Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso (MPT-MT)

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