Artigo: Precisamos falar sobre o rombo da Previdência

Por Leomar Daroncho*

Desculpem o transtorno, mas precisamos conhecer os nossos números se realmente quisermos falar sobre o alegado déficit da Previdência. Embora ninguém explique a mágica pela qual a generalização de contratos precários de trabalho - terceirização - geraria novos postos de emprego, ao invés de simplesmente transformar os empregos minimamente dignos existentes em contratos de baixa qualidade, sem proteção, como parece ser o caminho natural de acomodação dos mercados, dedicaremos esse espaço à questão das consequências previdenciárias da terceirização.

De repente, o Brasil parou. Só se fala em crise. As manchetes dos jornais foram tomadas por gurus como o Professor José Pastore - conhecido defensor da redução do sistema de proteção ao trabalhador - que afirmam que a superação da crise exige reformas. Ainda que não se tenha clareza do conteúdo das reformas pretendidas, segundo o discurso dominante, parece não haver espaço para dúvidas de que há um rombo na Previdência - pela qual deveriam pagar os beneficiários - e de que a legislação trabalhista - com direitos "excessivos" - seria um empecilho ao desenvolvimento.

A terceirização contribui decisivamente para o rombo da Previdência e das contas públicas.

Claro que uma afirmação dessas carece de explicações, pois desafia o discurso hegemônico.

Desculpem o transtorno, precisamos do autoconhecimento, da realidade brasileira. Vamos a alguns números.

Levantamento nos dados de Comunicações de Acidentes de Trabalho - CAT, do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), indicam que entre os anos de 2011 e 2013 o Brasil teve mais de 600 mortes de vítimas de acidentes de trabalho, apenas com máquinas e equipamentos. No mesmo período, máquinas e equipamentos produziram 221.843 acidentes. Foram comunicados 41.993 fraturas (270 por semana) e 13.724 amputações (12 por dia).

No processo de terceirização, são transferidas para empresas menores a responsabilidade pelos riscos do processo de trabalho. Como mágica, os riscos inerentes à atividade da empresa que se beneficia do trabalho são repassados para prestadoras de serviços que não têm condições tecnológicas e econômicas para gerenciá-los. O processo elege as vítimas. São trabalhadores sem preparo para os postos de trabalho mais precários e arriscados. Assim, completa-se um ciclo de infortúnios e adoecimentos que vitima o trabalhador.

Dados recentes indicam que a Previdência arca com o custo anual de R$ 18 bilhões em razão de acidentes de trabalho. A esse valor, que contempla apenas os trabalhadores formais, deveriam ser agregados os custos da saúde pública no tratamento de enfermos e sequelados.

O mesmo Professor José Pastore, conhecido crítico da "excessiva" proteção proporcionada pelo Direito do Trabalho, estimou os gastos totais anuais com os acidentes de trabalho no Brasil (Governo e empresas), no ano de 2009, na casa dos R$ 71 bilhões. É um valor colossal!

Pois bem. Apesar das restrições atuais, cerca de 26% dos trabalhadores já são terceirizados. Dados do TST e do DIEESE indicam que oito em cada dez acidentes de trabalho, nos setores de maior risco, acontecem com profissionais terceirizados.

Não é difícil concluir que a generalização dos contratos terceirizados, atingindo a área fim, tende a produzir maior número de acidentes. Teremos acidentes mais graves, com maiores custos para a Previdência. Talvez tenhamos que multiplicar por três ou quatro os números apontados pelo Professor Pastore.

Uma provocadora história da sabedoria sufi - vertente mística do Islã - descreve o diálogo de um homem que se aproxima do amigo que está agachado procurando algo sob a luz de um poste. Descobre que o amigo procura uma chave. Depois de vasculhar o local, o homem resolve indagar se o amigo tem certeza de que perdera a chave ali. A resposta é não. A chave havia sido perdida em outro local. Mas lá está escuro demais para a busca.

Algo semelhante acontece com o alegado rombo da Previdência. A solução mais tentadora, ao menos no que diz respeito à terceirização, pode não produzir o resultado esperado.

*LEOMAR DARONCHO é Procurador do Trabalho 

 

Artigo originalmente publicado no Jornal A Gazeta do dia 26/09/2016

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