Artigo: Trabalho como realização

*Por Cláudia Honório

30/11/2015 - É comum ver o trabalho apenas como um meio de satisfação das necessidades básicas do ser humano, pois por meio do trabalho se adquire remuneração. Assim, para muitas pessoas, o trabalho é uma forma de obter dinheiro para custear moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte, entre outros.

Mas o ordenamento jurídico brasileiro atribui importância e significado especiais ao trabalho - é considerado direito fundamental de todo cidadão. Nessa perspectiva, o trabalho tem um viés emancipatório, de realização individual e comunitária, na medida em que é atividade de transformação de bens e, principalmente, de pessoas. Por meio do trabalho, por exemplo, são desenvolvidas habilidades, criados relacionamentos, incentivada a criatividade, conhecidos recursos, equipamentos, noções; satisfeitas necessidades da comunidade.

Assim, além de satisfazer as necessidades diárias do trabalhador, ao proporcionar remuneração, o trabalho é em si mesmo uma necessidade humana, sendo essencial à saúde, à autonomia, à convivência social, ao desenvolvimento da corporalidade e à autorrealização. O trabalho, nessa perspectiva de realização, supera a mera venda da força de trabalho para obter remuneração e reproduzir a própria força de trabalho.

Entretanto, para que o trabalho seja efetivamente fonte de realização, devem ser atendidas condições básicas. Não se admite qualquer trabalho, mas apenas aquele que respeite os direitos fundamentais do trabalhador.

Situações configuradoras de assédio moral, assédio sexual, discriminação (em qualquer momento da relação de trabalho e por qualquer motivação), exploração de trabalho em condições análogas às de escravo (em que há restrição da liberdade para iniciar, manter ou extinguir a relação de trabalho; trabalho em condições degradantes; ou trabalho em jornada exaustiva), fraudes à relação de emprego (por meio do abuso de pessoas jurídicas, da condição de autônomo, de falsas cooperativas ou terceirização ilícita) ou aos direitos trabalhistas (com contratação sem registro, falta de pagamento de direitos básicos, violações aos limites temporais e espaciais da exploração de trabalho), exploração de trabalho infantil, violações à liberdade sindical por diversas formas, falta de segurança e proteção (individual e coletiva) do ambiente de trabalho, colocando em risco a integridade do trabalhador. Nenhuma dessas exemplificativas situações insere-se no conteúdo do direito ao trabalho em sua concepção completa e complexa, eis que não permitem sua plena realização e não proporcionam a existência humana digna.

Infelizmente, a realidade é de multiplicação de ocupações precárias, ilegais, excludentes. O trabalhador dificilmente enxerga sua atividade como fonte de respeito à sua dignidade e meio de autorrealização. Trata-se unicamente de entrega da força de trabalho para garantir o pão de cada dia. Mera ocupação de tempo e espaço, em que o trabalhador mesmo é ocupado.

Se o trabalho na atualidade é diferente do valorizado pelo ordenamento jurídico, o próprio direito coloca-se como instrumento de transformação da realidade. Nesse sentido, destaca-se a relevante missão conferida ao Ministério Público do Trabalho - MPT. Trata-se de ramo independente do Ministério Público da União vocacionado à defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses indisponíveis no campo das relações de trabalho.

O MPT desenvolve, seja por meio de denúncias, investigações, medidas judiciais, palestras, audiências, e tantos outros meios, papel imprescindível e desafiador para a promoção do trabalho em condições que respeitem a dignidade e preservem os direitos fundamentais do trabalhador, inserindo-se integralmente no contexto de valorização social do trabalho. É instituição acessível a todos os que percebam violações nos direitos mais básicos relacionados ao trabalho. Para que o trabalho e o trabalhador não sejam ser vistos como mercadorias ou peças de uma engrenagem em troca do pão de cada dia.

*CLÁUDIA HONÓRIO é Procuradora do Trabalho no Paraná.

Artigo originalmente publicado no Jornal A Gazeta do dia 30/11/2015

 

Imprimir