Direito à Desconexão

Por Thaylise Campos Coleta de Souza Zaffani*

24/08/2015 - O direito à desconexão pode ser definido como aquele que assiste ao trabalhador de não permanecer sujeito à ingerência ou a solicitações do respectivo empregador em seu período de descanso. Dito de outro modo, o obreiro tem o direito de se afastar totalmente de seu ambiente de trabalho e, assim, permanecer desligado ou “desconectado” do serviço naqueles períodos reservados ao descanso.

Muito embora esse direito não esteja formalmente previsto na Constituição ou em leis trabalhistas, sua construção e sedimentação são resultado da interpretação sistemática e hermenêutica dos princípios constitucionais. Isso porque a desconexão relaciona-se intimamente com diversos direitos fundamentais, especialmente aqueles ligados à saúde, à higiene e à segurança do trabalho, como a limitação da jornada, férias e a redução de riscos e acidentes de trabalho.

Evidentemente que um trabalhador que efetivamente tenha descansado e se “desligado” do trabalho, além de recompor sua saúde física e mental, contribui diretamente para a manutenção de um ambiente de trabalho seguro e para a formação de famílias estáveis, o que repercute em toda a sociedade.

Ou seja, esse tempo de desligamento, além de ser necessário ao descanso do corpo e à reposição das energias, permite o encontro do trabalhador com sua vida social, consigo, com sua família e com a sociedade, fatores que, à toda evidência, contribuem para a harmonia familiar, além de influir diretamente no rendimento do serviço e no ambiente do trabalho.

Todavia, apesar da evidente importância desses períodos de “desconexão”, a evolução tecnológica tem tornado seu usufruto um verdadeiro desafio para boa parte dos trabalhadores. Com a disseminação dos “smartphones”, da internet e do teletrabalho, o trabalhador se vê, cada vez mais, sujeito à ingerência do empregador em seus momentos de descanso.

Constantes ligações, e-mails e mensagens de celular a qualquer hora do dia e da noite, sem contar a exigência de prontidão para “casos urgentes”, transforma a vida de diversos trabalhadores um constante sobreaviso. Horas extras infindáveis, jornadas exaustivas e afastamentos por motivo de doença despontam como resultado dessa triste realidade.

Diante desse cenário, cresce no Poder Judiciário a preocupação em garantir a efetiva observância dos períodos de descanso dos obreiros. Porém, via de regra, cabe ao trabalhador fazer prova de que o empregador não respeitou tais descansos, o que torna eventual ajuizamento de ação trabalhista um verdadeiro desafio.

Mesmo diante dessas dificuldades, essa opção vem sendo cada vez mais utilizada, o que demonstra uma crescente conscientização dos trabalhadores acerca de seus direitos. E isso é muito bom. Entretanto, a verdadeira solução para o problema passa pela necessária conscientização coletiva: dos empregadores, dos trabalhadores e de toda a sociedade.

As milhares de reclamações trabalhistas ajuizadas todos os anos em decorrência de acidentes de trabalho causados por puro cansaço do trabalhador prejudicam não só aqueles envolvidos no acidente. Prejudicam a empresa, oneram a previdência social, atingem famílias inteiras e trazem desequilíbrio à toda sociedade que, ao fim e ao cabo, é quem paga por tudo isso.

Portanto, a luta por melhores condições de trabalho e por respeito aos direitos mais caros do trabalhador deve ser bandeira social: desde o estudante até o mais alto executivo, desde a pequena empresa até às grandes corporações. Seremos todos beneficiados por seus resultados.

O trabalhador, para além das alucinantes metas impostas pelo atual sistema econômico, deve ser encarado, acima de tudo, como um ser humano. E o ser humano precisa de descanso, de lazer, de contato com a família, de amigos, de respeito. Atender e respeitar essas necessidades significa garantir a dignidade humana, esse princípio tão comentado, porém tão pouco efetivado na realidade dos trabalhadores brasileiros.

* THAYLISE CAMPOS COLETA DE SOUZA ZAFFANI é Procuradora do Trabalho em Mato Grosso.

 Artigo publicado originalmente no Jornal A Gazeta de 24/08/2015

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