Semana Nacional do Migrante: MPT esclarece dúvidas trabalhistas em palestra para 200 haitianos

22/06/2015 - Brown Monvyn, de 35 anos, é um dos três mil haitianos que vieram para Cuiabá nos últimos anos. “Não conseguia encontrar emprego”, explica. E não foi por falta de tentativa. Monvyn é natural de Môle-Saint-Nicolas, cidade do departamento de Nord-Ouest, na costa noroeste do Haiti, onde Cristóvão Colombo fundou um dos primeiros povoados após a chegada à América, em 1492.

Monvyn formou-se em Direito e Ciências Econômicas e, além do crioulo haitiano, fala inglês e francês. Devido à instabilidade política do país, agravada pelo terremoto de 2010, que provocou a morte de mais de 300 mil pessoas e deixou mais de dois milhões sem moradia, não conseguiu exercer a profissão em sua terra natal.

Em busca de uma oportunidade, deixou a mulher e três filhos, duas meninas e um menino, e partiu rumo ao Brasil. Como a maioria, percorreu um longo e difícil caminho até chegar aqui. Do país caribenho, viajou dois mil quilômetros de avião até o Equador, que não exige visto de nenhum estrangeiro, cruzou a fronteira com o Peru e seguiu viagem até o Acre. De lá, tomou o ônibus e, após três dias de viagem, aportou em Cuiabá.

Recentemente, foi chamado para uma entrevista de emprego em uma grande padaria da capital, mas ainda aguarda o contato e uma proposta de contratação. Enquanto espera por uma chance, tenta se manter presente na vida da família utilizando as ferramentas de comunicação disponíveis, como Whatsapp e Messenger. Se o tão esperado futuro melhor realmente chegar, ainda restará um sonho a ser concretizado: “Pretendo trazer a minha família para o Brasil um dia”.

Semana Nacional 

Brown Monvyn e outros 200 haitianos participaram, na última segunda-feira (15), de um evento promovido pelo Centro de Pastoral para Migrantes em parceria com o Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso (MPT), Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Centro Burnier Fé e Justiça.

Segundo a coordenadora da Pastoral, Eliana Vitaliano, o encontro marcou a 30ª Semana Nacional do Migrante, promovida pelo Serviço Pastoral do Migrante (SPM) da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) entre os dias 14 e 21 deste mês. O tema “Sociedade e Migração” e o lema “Não ao preconceito, por direitos e participação” propuseram uma reflexão sobre a realidade dos migrantes presentes no país.

A iniciativa conjunta dos movimentos sociais e do MPT proporcionou aos haitianos uma noite de aprendizado sobre direitos trabalhistas. Os procuradores do Trabalho Fabrício Gonçalves de Oliveira e Renan Kalil, respectivamente procurador-chefe e procurador-chefe substituto do MPT-MT, ficaram encarregados, juntamente com a auditora fiscal do Trabalho Marilete Girardi, de tirar as dúvidas a respeito da situação que vivenciam no dia a dia.

“Foi um momento extremamente esperado por eles. Eles se sentiram ouvidos, valorizados. Foi uma oportunidade de colocarem para fora as suas dificuldades, com a esperança de melhoria”, salienta Eliana Vitaliano.

A coordenadora da CPM explica que Cuiabá passou a ser rota de migração devido à Copa do Mundo. Após 2014, no entanto, a oferta de trabalho diminuiu. “Os migrantes haitianos sempre procuraram centros como São Paulo ou Rio de Janeiro, mas foram atraídos para cá por causa do sistema de acolhida, que começou a ser bastante divulgado entre eles. Chegando aqui, acabam conseguindo trabalho na construção civil, em restaurantes, hotéis. Hoje, temos 79 pessoas na casa, mas não só haitianos. Recebemos também africanos vindos do Senegal, da Nigéria e da Guiné-Abissau, além de bolivianos, argentinos, paraguaios”.

Para Brown Monvyn, o evento foi positivo.  “É muito bonito ter alguém que saiba como funciona o trabalho e diga como você deve trabalhar, como deve ser a relação entre uma pessoa e o seu chefe. Nós precisávamos disso”.

O procurador-chefe do MPT-MT também avaliou o resultado do encontro. “Avalio de forma extremamente positiva. Houve a explicação, por meio de tradutores, dos direitos trabalhistas básicos dos imigrantes, bem como a abertura de um amplo espaço para solução de dúvidas trazidas por eles a respeito da relação de trabalho e dos órgãos de proteção ao trabalhador. O acesso à informação é essencial para que os cidadãos que se encontram em nosso país, incluindo os imigrantes, possam alcançar todo o sistema protetivo brasileiro, as garantias legais, constitucionais e as obrigações respectivas, tanto do empregado quanto do empregador, que permeiam a relação laboral, destacando-se a própria Consolidação das Leis Trabalhistas e a Constituição da República”.

Direitos Humanos

Nos últimos meses, a imprensa de todo o mundo vem noticiando uma intensificação do fluxo imigratório na Europa. Todos os dias, barcos lotados de migrantes africanos tentam chegar à costa da Itália ou da Grécia. Muitos ficam no caminho, sem a mesma sorte.

Em meio à chegada cada vez maior de pessoas, que fogem da miséria e da violência, outros problemas começam a surgir. O crescimento de ondas de xenofobia é um deles. A Europa tenta se organizar, sem consenso, para receber esse enorme contingente de migrantes. Infelizmente, a solução para muitos dos países europeus é erguer muros para proteger suas fronteiras.

Entre poucos avanços e grandes retrocessos, o papa Francisco se manifestou essa semana sobre o assunto e condenou a política de recusa que vem sendo adotada. "Se a imigração aumenta a concorrência (econômica), não se pode culpar (os migrantes) por isto, porque são vítimas da injustiça, da economia da rejeição e das guerras. Os seres humanos não devem ser tratados como mercadoria", declarou.

Do lado de cá, a situação também é crítica. Mais de sete mil haitianos entraram no Brasil, pelo Acre, só em 2015. Segundo dados oficiais, o número total de haitianos no país ultrapassa os 40 mil. São homens, mulheres, às vezes famílias inteiras que fogem das agruras do lugar mais pobre do Ocidente, onde a água potável é vendida a preço de ouro e biscoitos de barro enganam a fome das crianças.  

Políticas Públicas

O procurador do Trabalho Renan Kalil lamenta a ausência de políticas públicas adequadas para receber estrangeiros, principalmente aqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade, como é o caso dos haitianos.

“As pessoas, quando optam por migrar, pretendem buscar melhores condições de trabalho e de vida. É incomum alguém sair do local em que está instalado apenas e tão somente para viver uma nova experiência. Por isso, antes de qualquer coisa, é preciso fazer um exercício de alteridade para enxergar a existência de um ser humano em todos os migrantes. Afinal, migrar é um direito humano”.

Kalil acrescenta que, ao contrário do que prega hoje o Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/1980), o país precisa de uma legislação que esteja em consonância com a dignidade da pessoa humana, fundamento da Constituição Federal e dos tratados de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário.

“O Brasil é um país que teve a sua formação populacional fortemente influenciada por migrantes. Atualmente, mais brasileiros saem do país em busca de oportunidades em outros países do que pessoas de outras localidades vêm para cá. Segundo dados do IBGE, Mato Grosso é um dos Estados da Federação que possuem o maior número de migrantes: aproximadamente 38% da sua população nasceu em outros locais”, pontua.

O procurador-chefe do MPT-MT, Fabrício Gonçalves de Oliveira, reforça que acolher os migrantes de maneira adequada é obrigação do Estado e de toda a sociedade. “Logo, a abertura para esclarecimentos pelos Órgãos Públicos, tal como realizado pela Procuradoria Regional do Trabalho de Mato Grosso junto com demais parceiros institucionais na última segunda-feira, representa, sem dúvida, mais um passo para que os direitos humanos e fundamentais dessas pessoas sejam respeitados”, concluiu.

Informações: Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso (MPT-MT)

Contato: (65) 3613-9152 | www.prt23.mpt.mp.br | twitter: @MPT_MT | facebook: Ministério-Público-do-Trabalho-em-Mato-Grosso 

 

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