Federação e sindicatos de transporte rodoviário e de carga são novamente condenados por burlar cota de aprendizagem

Ação foi movida pelo MPT em 2019 após exclusão da função de motorista profissional na contratação de aprendizes

11/10/2022 - O Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso (MPT-MT) obteve novamente a condenação da Federação dos Trabalhadores em Transporte Rodoviário do Estado de Mato Grosso (FETTREMAT), do Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas de Rondonópolis e Região (SETCARR), do Sindicato dos Condutores de Veículos e Trabalhadores Rodoviários do Vale do São Lourenço (SINTROVALE/MT), do Sindicato dos Motoristas Profissionais e Trabalhadores em Empresas de Transporte Terrestre de Cuiabá e Região (STETT/CR), do Sindicato dos Trabalhadores em Transporte Rodoviário e Motoristas Profissionais de Barra do Garças e Região (SINTTRO) e do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas do Transporte Terrestre de Rondonópolis e Região (STTRR). As entidades, que deverão pagar solidariamente R$ 150 mil por danos morais coletivos, cometeram ilegalidade na Convenção Coletiva de Trabalho 2018/2019 ao excluírem a função de motorista profissional da base de cálculo da cota para contratação de aprendizes.

A Ação Civil Pública foi ajuizada pelo MPT-MT em 2019. No processo, o órgão destacou que qualquer restrição à implementação da cota de aprendizes por meio de negociação coletiva seria ilícita, pois suprimiria ou reduziria medidas de proteção legal de adolescentes e jovens, como, no caso, a cota de aprendizagem, medida de proteção legal para garantir a efetivação do direito à profissionalização.

As entidades foram condenadas em março do mesmo ano, mas interpuseram Recurso Ordinário, e a sentença foi anulada pelo Acórdão da 2ª Turma de Julgamento do Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região (TRT23). Também foi determinado o retorno dos autos à origem (primeira instância), a suspensão do processo até a decisão do Tema 1.046 – objeto de Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) n. 1121633/GO, que versava sobre a validade de norma coletiva de trabalho que limitasse ou restringisse direito trabalhista não assegurado constitucionalmente –, e a revogação da tutela provisória de urgência outrora concedida ao MPT.

Em 2 de junho deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao analisar o tema de repercussão geral, deu provimento ao Recurso Extraordinário, nos termos do voto do Relator, Ministro Gilmar Mendes, e, por unanimidade, fixou a tese de que “são constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis".

 

Retorno à 1ª instância

Cessada a suspensão processual, a juíza do Trabalho Substituta Simone Akemi Kussaba Trovão, da Vara do Trabalho de Alto Araguaia, decidiu pela manutenção da sentença de 1º grau. “A manutenção da decisão proferida, considerando a decisão de mérito do STF no Tema 1.046, ocorre pela seguinte razão: a nulidade da cláusula normativa em análise se dá em razão de terem sido ultrapassados os limites da negociação coletiva, em afronta ao Princípio da Adequação Negocial Setoriada. A cota de aprendizagem, como é conhecida a norma disposta no artigo 429 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), não pode ser objeto de negociação coletiva, pois se trata de dever jurídico apto a concretizar interesses difusos, ou seja, de titularidade de pessoas indeterminadas e ligadas por uma circunstância de fato, que, no caso, é a condição de aprendiz. A consequência lógica disso é que os sindicatos não detêm legitimidade para dispor de direitos de titularidade de toda a sociedade”, explica.

Em sua defesa, os entes sindicais afirmaram que, devido à proibição da função de motorista profissional para pessoas com idade inferior a 21 anos, as empresas estariam tendo dificuldade em atingir a cota de aprendizes. Alegaram, ainda, que o setor administrativo não conseguiria absorver a demanda.

Ao apreciar o tema, a magistrada destacou que, “justamente por causa da cota alternativa é que não faz sentido a limitação etária para a contratação apenas de jovens com idade superior a 21 e inferior a 23, porquanto nessa situação, os aprendizes não precisam trabalhar (executar as aulas práticas) em atividades proibidas para menores ou com limitações legais em geral”. E acrescentou: “Não se pode perder de vista o objetivo da cota de contratação de aprendizes, que é justamente a promoção de sua qualificação e inclusão socioeconômica, cumprindo assim a função social da empresa, o que não pode ser deixado de lado. Dessa forma, havendo previsão legal de cumprimento alternativo, a empresa deve cumpri-la sopesando para tanto não apenas o custo financeiro que tal medida acarretará ao seu empreendimento isoladamente, mas também no cumprimento de sua função na sociedade de gerar emprego, renda e fomentar a qualificação de jovens para inserção no mercado de trabalho, da qual poderá se beneficiar no futuro, ela própria ou seus clientes, escopo que seria esvaziado ao se flexibilizar a base de cálculo da cota em referência”.

Com a decisão, as entidades deverão abster-se de celebrar instrumentos normativos que flexibilizem ou alterem a base de cálculo da cota legal de aprendizagem prevista na CLT e no Decreto n. 9.579/2018. Também estão proibidas de celebrar instrumentos normativos que impliquem supressão ou redução das medidas de proteção legal de crianças, adolescentes e jovens, nos termos do artigo 611-B da CLT. Caso haja descumprimento, a multa será de R$ 50 mil para cada ente sindical que firmar instrumento coletivo em desacordo com a sentença.

 

Aprendizagem

De acordo com o art. 429 da CLT, empresas de médio e grande porte são obrigadas a destinar no mínimo 5% e no máximo 15% das vagas cujas funções demandem formação profissional à contratação de aprendizes, a partir dos 14 anos. O contrato de aprendizagem assegura ao adolescente uma profissionalização compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico. Além de abrirem as vagas para aprendizes, os empregadores devem promover a capacitação desses jovens, por meio de cursos oferecidos pelo Sistema Nacional de Aprendizagem, escolas técnicas ou entidades sem fins lucrativos, voltadas à educação profissional.

O MPT observa que tanto os aprendizes quanto a sociedade foram prejudicados pela norma coletiva. “O direito à profissionalização representa também a concretização de verdadeira política pública de formação e qualificação da força de trabalho nacional, sendo um dos pilares da atuação estatal na busca do pleno emprego, princípio da ordem econômica nacional (art. 170, VIII, da CF/88), pois sem adequada formação e qualificação profissionais não se está apto à devida inserção no mercado de trabalho”, concluiu o MPT.

 

Destinação

O valor será revertido em prol da região onde ocorreu a irregularidade, beneficiando diretamente a comunidade abrangida pela jurisdição territorial da Vara do Trabalho de Alto Araguaia-MT e demais municípios da base territorial das entidades sindicais.

Os projetos serão apresentados pelo MPT e deverão contemplar instituições públicas ou privadas sem fins lucrativos, de reconhecida relevância social da região, especialmente as ligadas à área de profissionalização de jovens e adolescentes.

Referência: ACPCiv 0000071-69.2019.5.23.0131

 

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