Artigo: Trabalho escravo: de que lado você está?

Por Thiago Gurjão Alves Ribeiro*

28/01/2016 - O dia 28 de janeiro foi consagrado como Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo. A data lembra o assassinato de auditores-fiscais do trabalho e de um motorista no exercício de suas funções de combate ao trabalho escravo em 2004. Hoje, passados 12 anos do crime, é possível afirmar pela primeira vez em um 28 de janeiro que os réus, inclusive os mandantes, foram julgados e condenados pelo homicídio praticado.

Apesar do simbolismo da demorada condenação, no contexto geral do combate ao trabalho escravo o Dia Nacional de 2016 é marcado pela preocupação. O ataque ao combate ao trabalho escravo, inserido no confuso momento político nacional, se acirra a cada dia.

Hoje, o grande marco desse ataque é o PLS no 432/2013 que, a pretexto de regulamentar a Emenda Constitucional que prevê a expropriação de propriedades nas quais ocorrer a exploração do trabalho escravo, em sua redação atual não contempla na definição de trabalho escravo dois dos quatro elementos que definem esse crime na legislação brasileira: o trabalho em condições degradantes e a submissão a jornadas exaustivas de trabalho.

Chama-se a atenção para a sujeição a condições degradantes de trabalho: trata-se de forma de exploração aviltante, em que o trabalhador é tratado não como pessoa dotada do atributo fundamental da dignidade humana, mas como coisa, como mero objeto ou instrumento da atividade econômica. Consiste, por exemplo, no não fornecimento pelo empregador/explorador de alojamento, alimentação ou água potável com o respeito a condições mínimas de higiene.

São trabalhadores que passam meses ou semanas sem um banheiro para utilizar, dormindo em barracos de lona e sujeitos a todo tipo de intempérie da natureza, comendo comida podre e bebendo água suja. Por vezes a expressão "tratados como bicho" nem se aplica, pois não raro animais que se encontram na propriedade são mais bem tratados que esses trabalhadores!

Trata-se de forma típica de trabalho em condições análogas às de escravo, já que, tratado como coisa ou objeto e não como pessoa humana, o trabalhador não pode exercer efetivamente os atributos mínimos que o caracterizam como pessoa, como a dignidade e a liberdade. Mas não é o que pensam os que defendem a aprovação do projeto de lei no estado em que se encontra. A lógica não permite outra conclusão: quem defende o projeto atual quer que os empregadores possam tratar trabalhadores como bicho ou como coisa, não como pessoa, sem que sofram nenhuma consequência penal por sua conduta, em prol do lucro e da redução de custos de produção e em detrimento dos trabalhadores.

Em novembro de 2015, o PLS no 432/2013 encontrava-se na Comissão de Constituição e Justiça do Senado sob a relatoria do Senador José Medeiros, representante de Mato Grosso. Diversas instituições estatais e da sociedade civil em Mato Grosso, como o Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Federal, Tribunal de Justiça de Mato Grosso, Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso, Polícia Rodoviária Federal, Comissão Pastoral da Terra, Centro de Pastoral para Migrantes e outros, defenderam em reunião com o Senador que o projeto representava grave retrocesso social e não poderia ser aprovado em sua atual redação.

Na oportunidade, sem se comprometer com o mérito da questão, o Senador reconheceu a complexidade do tema e manifestou sua intenção de ouvir a sociedade a respeito, em reuniões públicas a serem realizadas em diferentes cidades do país.

Um mês depois daquela reunião, uma articulação favorável ao projeto tentou aprovar um requerimento de urgência para, em seguida, buscar sua imediata aprovação em Plenário, suprimindo o necessário debate com a sociedade. A manobra sorrateira foi objeto de intensa mobilização de instituições e pessoas que se engajam no combate ao trabalho escravo, conseguindo-se evitar, naquele momento, a aprovação do requerimento de urgência.

Tal manobra no apagar das luzes de 2015 é apenas um aceno do que está por vir neste ano de 2016. Todos que se engajam no combate ao trabalho escravo e mesmo os que, nos atuais tempos de perplexidade, se preocupam com o respeito aos direitos humanos devem estar atentos e se mobilizar. Não está em jogo uma filigrana qualquer da legislação trabalhista. O embate, aqui é entre os que querem o respeito aos direitos humanos dos trabalhadores e os que querem que se possa tratar o trabalhador como coisa sem que exista consequência penal para essa conduta. De que lado você está?

THIAGO GURJÃO ALVES RIBEIRO é procurador do Trabalho e representante do MPT-MT na Coetrae.

 

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