Consciência Negra: reunião pública promove debate sobre raça com movimentos sociais

Participaram membros do Movimento Negro Unificado, EDUCAFRO, ONG Criola, Universidade Zumbi dos Palmares, entre outros representantes da luta pela igualdade racial. Objetivo do encontro foi ouvir demandas para a elaboração conjunta de ações

30/11/2020 - O Ministério Público do Trabalho (MPT) se reuniu, na última sexta-feira (27), com representantes de movimentos sociais engajados na luta pela igualdade racial, com o objetivo de promover o diálogo e buscar soluções para este persistente problema que aflige não apenas o mundo do trabalho, mas toda a sociedade brasileira. A reunião, que se concretiza poucos dias após o Dia da Consciência Negra (20/11), contou com a presença de importantes movimentos sociais, como Movimento Negro Unificado, Universidade Zumbi dos Palmares, EDUCAFRO, ONG Criola, entre outros, bem como de procuradores e outras autoridades.

Ao longo das 8 horas do evento, que foi realizado na modalidade virtual, diversos palestrantes apresentaram suas demandas, experiências, conhecimentos e histórias. Uma das representantes presentes no evento foi a coordenadora nacional do Movimento Negro Unificado, Iêda Leal, que participou da abertura e destacou a relevância da reunião.

“Essa reunião para mim é importante, porque a iniciativa de se escutar é muito legal, é bacana. Mas a iniciativa de escutar e dar sentido para aquilo que se escutou é fundamental. O Ministério Público faz isso, o Ministério Público do Trabalho faz isso. Isso dá gosto. De a gente poder participar de alguma atividade onde nós somos chamados para a gente poder falar, escutar, e olhar, e observar – talvez de longe – que as coisas estão acontecendo. Por isso que a gente continua acreditando nas nossas instituições”, declarou a ativista, também é conselheira do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH).

Ela também prestou homenagem a João Alberto, assassinado um dia antes do Dia da Consciência Negra, em uma unidade da rede de supermercados Carrefour, por funcionários da empresa. “João Alberto, hoje, sexta-feira, eu dedico este momento, esta reunião pública do meu pedaço, para a família deste homem, que foi barbaramente eliminado das nossas vidas, e das vidas das filhas, dos filhos, da mulher, da família. Então, a toda hora que eu posso hoje eu tenho colocado o João no meu sagrado para que ele possa entender o quanto ele significa para a gente hoje. É mais um tombado, mas é mais um que vai servir de exemplo para a gente continuar lutando”, disse a ativista. O caso vem sendo investigado pelo MPT.

Demandas – Iêda Leal também expôs demandas importantes dos movimentos negros, como: cobrança mais rígida do que consta da legislação e nas normas; elaboração de nova legislação exigindo que todas as empresas tenham um plano de combate ao racismo no ambiente de trabalho; promoção da formação adequada dos agentes públicos que recebem as denúncias de racismo; criação de uma proteção especializada à vítima de racismo (psicólogos, assistentes sociais); cobrar dos órgãos competentes os números relativos aos crimes raciais; cotas em todos setores – mantendo as que já existem e criando-as em espaços em que não existem.

Outras instituições foram representadas na reunião, como a EDUCAFRO. Em nome da instituição, frei Davi cobrou mais ações efetivas por parte de empresas e também dos órgãos públicos, para que a discriminação e a inserção de negras e negros no mercado de trabalho se concretize. Frei Davi citou carta enviada à Bolsa de Valores brasileira em que a EDUCAFRO pede o estabelecimento de regras mais duras contra empresas que não respeitam a regras mínimas de proteção dos direitos da população negra. “Estamos cansados de dialogar com as empresas que não levam a sério o povo negro. Estamos cansados de blábláblá”, disse o frei Davi.

Já a líder do Comitê de Igualdade Racial do Grupo Mulheres do Brasil, Elizabete Scheibmayr destacou os muitos desafios impostos pela pandemia da Covid-19 à população negra de baixa renda. A dificuldade de acompanhar aulas ou participar de entrevista de emprego virtuais, por falta de acesso à internet ou equipamentos de qualidade, como celular que afetou estudantes negros e jovens. Além disso, ela destacou a dificuldade de acesso ao mercado trabalho de mulheres negras mais maduras, que perderam seus empregos na pandemia e precisam de qualificação.

Wallace Corbo, advogado e professor da Fundação Getúlio Vargas, defendeu a criação de parâmetros básicos para que empresas trabalhem a inserção de negras e negros em seus postos de trabalho, incluindo postos de comando. Para ele, é preciso punir – criminalmente e no campo trabalhista – empresas que praticam atos racistas, mas trazer e chamar para o diálogo empresas que estejam dispostas a adotar boas práticas. Segundo ele, empresas vanguardistas, como o Magazine Luiza, que ofereceu vagas exclusivas para negros, “não são um padrão no nosso país”.

O evento contou com a presença do procurador-geral do Trabalho, Alberto Balazeiro, que abriu o evento agradecendo a presença de todos e reforçou a importância da temática para o MPT. “Essa reunião pública se insere em um contexto de abertura da instituição cada vez mais ao diálogo social, à oitiva da sociedade, ainda mais em um tema de tamanha relevância, como é o tema da igualdade étnico-racial. Olhando no espelho, vendo as marcas da nossa história, a gente consegue avaliar, corrigir os rumos e implementar medidas de efetiva igualdade racial”, declarou.

Também compôs a mesa de abertura o vice procurador-Geral da República, Humberto Jacques, que destacou a importância do “trabalho” nas origens da subjugação e opressão da população negra. “Não há dúvida, sob qualquer perspectiva história pela qual se queira olhar, que a diáspora africana é fruto essencialmente do trabalho. Não fosse a condição “trabalho”, a diáspora africana não teria acontecido. Então se o Ministério Público da União pretende entrar com seriedade neste tema, o primeiro ponto a tratar – não há dúvida – é o trabalho”, declarou o vice-PGR.

Acesse aqui a programação com a lista completa de palestrantes

População negra no trabalho – A procuradora Adriane Reis, coordenadora nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho também falou na abertura do evento, traçando um panorama da situação atual da população negra no mundo do trabalho.

“Falando especificamente na questão de trabalho, o que nós percebemos é que, segundo o IBGE, dados de 2019, a população negra representa a maior da força de trabalho do país – quase 55%. Porém a proporção de pretos e pardos corresponde a cerca de 2/3 das pessoas desempregadas, cerca de 64%”. [...] “Essa pesquisa aponta que os negros são os que mais sofrem com a informalidade, sendo que, em 2018, 47,3% das pessoas ocupadas pretas ou pardas estavam em trabalhos informais – quase a metade. Enquanto este percentual para pessoas brancas é de 34%”, informou a procuradora.

No Brasil, dos mais de 12 milhões de desempregados, 6,7 milhões têm de 14 a 29 anos. Nessa faixa etária, estão desocupados 4,36 milhões de jovens negros e 2,32 milhões de jovens brancos. Os dados são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Empregabilidade – Para mudar essa realidade, o MPT desenvolve ações proativas como o Projeto Nacional de Inclusão de Jovens Negras e Negros no Mercado de Trabalho. A iniciativa seleciona pessoas jurídicas e busca inserir universitárias e universitários negros em cargos de liderança e acompanha a evolução de cada empresa participante no que diz respeito à equidade racial.

Por enquanto, o projeto está voltado a três ramos: publicidade, advocacia e empresarial. A procuradora Valdirene de Assis, que está à frente do projeto, destaca que “estando em cargos de gestão, esses jovens podem auxiliar as empresas a se tornarem espaços mais diversos e com a pauta da diversidade racial como algo internalizado na cultura delas”.

Informações: PGT

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